O
comentário do Jornalista apresenta uma visão das forças envolvidas na “Crise da
Lava Jato” que se desenrola no meio político/empresarial brasileiro. As
conhecidas e veladas transações entre empreiteiras e governos vêem à tona em um
conflito de interesses na busca do Poder ilimitado. Boa leitura:
“Comentário
para o programa radiofônico do Observatório da Imprensa em 20/11/2014
Mais um pouco, e o povo brasileiro, através da
imprensa, estará pedindo desculpas às grandes empreiteiras e outros
fornecedores de obras e serviços públicos. Pelo andar do noticiário e
levando-se em conta alguns artigos plantados aqui e ali, tem-se a impressão de
que a Petrobras é uma organização criminosa que achacou os pobres
empreendedores com a ajuda de uma quadrilha de coletores de dinheiro.
O ponto de partida desse movimento é o advogado do
lobista apontado como intermediário na distribuição de propinas milionárias. Na
sua opinião, sem “composição ilícita”, ninguém consegue fazer negócios com o
Estado, seja um complexo petroquímico ou um assentamento de paralelepípedos. O
portador do discurso dos empresários corruptores ganhou destaque em todos os
principais jornais – a Folha de S.Paulo ofertou quase uma página inteira para
sua aleivosia.
O mote ecoou por quase todos os outros advogados
ouvidos pela imprensa, e vem se juntar às alegações de que, se forem
condenadas, as empresas ficarão impedidas de fazer futuros contratos com todas
as instâncias do setor público, o que poderia congelar importantes obras em
andamento e inviabilizar futuros projetos de interesse municipal, estadual ou
nacional.
O fato de um delegado haver acusado sem fundamento
o atual diretor de Abastecimento da Petrobras, tendo que se retratar em seguida,
está sendo explorado como uma evidência de que outros suspeitos podem ter
sofrido a mesma injustiça. Paralelamente, corre no noticiário a versão de que
algumas confissões obtidas no sistema de delação premiada podem produzir
contradições nocivas ao processo, o que invalidaria denúncias já tornadas de
conhecimento público por meio dos vazamentos seletivos de informações do
inquérito. Ao mesmo tempo, os jornais acompanham os esforços do governo federal
e seus aliados para reduzir o impacto do escândalo no funcionamento da máquina
estatal.
Tudo isso vem nos principais diários de circulação
nacional na quinta-feira (20/11), feriado em que parte do Brasil comemora o
“Dia da Consciência Negra”.
Gabinete de crise
Na versão politicamente incorreta, a “consciência
negra” era a definição da má consciência, aquela que supostamente estaria
motivando os autores das delações. Mas, a julgar por declarações de advogados,
políticos, policiais e outros personagens do escândalo, todos os movimentos
conduzem a um propósito comum a todas as crises: minimizar os danos. O governo quer um fôlego para renovar seu ministério, os políticos
querem seus nomes fora das listas de propina, os advogados querem a absolvição
ou uma pena mínima para seus clientes. (grifo meu)
A imprensa parece sensibilizada com a possibilidade
de a economia do país vir a sofrer abalos no final do processo, principalmente
se as empresas envolvidas chegarem a ser condenadas, perdendo a condição de
idoneidade que lhes permite negociar com instituições públicas. Mas há vozes
discordantes, lembrando que não há punição sem perda, e que, no caso das
pessoas jurídicas, junto com o ressarcimento pelos danos causados ao erário vem
automaticamente a exclusão do clube seleto daqueles que operam com o Tesouro.
Paralelamente, colunistas e repórteres com acesso à
intimidade do Planalto informam que o núcleo político do governo tem feito
longas reuniões em busca de uma estratégia para recuperar a imagem da Petrobras
e, por extensão, afastar os olhares inquisidores para outra direção.
Como é praxe desde a primeira posse de Lula da
Silva, o comando petista demonstra pouca habilidade para lidar com problemas de
comunicação. A começar da formação do “gabinete de crise”, composto apenas por
gente “da casa”, o resultado tem grandes possibilidades de produzir graves
erros de avaliação.
O escândalo envolvendo a estatal do petróleo é o
desaguadouro natural do sistema da corrupção modernizado pela Constituinte –
origem do modelo de organização partidária que não sobrevive sem a injeção
constante de dinheiro sujo. Nestes doze anos de predomínio do Partido dos
Trabalhadores, o sistema que foi usado por outros partidos se consolidou como
parte do processo de gestão.
Se ninguém tem coragem ou independência para dizer
isso em voz alta no tal “gabinete de crise”, o transatlântico do governo
continuará sendo conduzido pelo rebocador da imprensa em meio à tempestade.”
Luciano Martins Costa
Jornalista
20/11/2014
*Observatório
da Imprensa na edição 825
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